A bondade seria a coisa mais inquietante do mundo? Esta interrogação é de José Saramago (Cadernos de Lanzarote), um dos intelectuais mais cultuados recentemente na literatura portuguesa. Comunista, materialista, ateu, pessimista, dono de uma narrativa anti-convencional, sua obra se prestou e se presta à uma torrente de análises sem fim. No texto exposto nesta ligação, Alípio Maia e Castro (A Família - Uma Perspectiva Cristã), autor português católico, expõe sua tese de que Saramago é, antes de tudo, um humanista. Ora, ao alinhavar sua argumentação que leva à descoberta de uma “bondade saramaguiana” e uma busca da “natureza humana” embutida no discurso do autor seu conterrâneo, ele não faz mais que exercitar ao máximo a característica que o fenomenologista Luc Ferry (Aprender a Viver) destaca como imprescindível para entender o mundo humano: o “pensamento alargado”. Como Ferry, um fenomenologista declaradamente ateu, porém não materialista, no entanto mantendo intenso intercâmbio intelectual com seu amigo ateu declaradamente materialista, porém humanista, André Conte-Sponville (Pequeno Tratado das Grandes Virtudes), também este possivelmente improvável diálogo entre os textos de Saramago e Maia e Castro nos remete à nova ética que Luc Ferry e os fenomenologistas humanistas julgam surgir do respeito à pluralidade: uma “filosofia (e ética) do amor”. Não inquieta verdadeiramente este diálogo entre antíteses, essa pluralidade dos opostos convivendo numa harmonia com a qual nem Friedrich Nietzsche, o autor de Ecce Homo, sonhou com suas marteladas?